O trabalho da psicologia muitas vezes nos coloca diante de histórias carregadas de dor e sofrimento. Mas a profissão toma novas formas quando as narrativas, direta ou indiretamente, se cruzam.
O exemplo mais recente - e ainda latente - é a tragédia climática que assolou diversas cidades do Rio Grande do Sul no início deste mês de maio, incluindo a capital, onde resido atualmente. É impossível não se comover com a proporção do desastre e o drama de tantas pessoas flageladas. Mesmo quem não teve suas casas ou empreendimentos atingidos está a salvo, mas não está bem. Nos relatos dos pacientes durante as sessões não faltam expressões de tristeza, desesperança e angústia - com as pessoas, os animais, a natureza, o futuro.
Afinal, este não foi um caso isolado. Todos os dias nos deparamos com manchetes sobre fenômenos como inundações, aumento das temperaturas e estiagem prolongada. Não é de surpreender que as pessoas demonstrem apreensão pelo seu próprio bem-estar e pela situação do planeta, e tragam sua angústia para o consultório a fim de aprender a lidar com ela.
Esta preocupação com as alterações climáticas e seus impactos na paisagem e na existência humana tem nome: ansiedade climática. E embora a ansiedade relacionada ao clima possa ser racional e adaptativa, ela também pode se tornar incapacitante ao causar sentimento de desesperança e sofrimento intenso.
O que é ansiedade climática?
A ansiedade climática é o aumento do medo e da preocupação com as mudanças climáticas e seus efeitos. Ela abrange pensamentos negativos repetitivos e constantes, dificuldade em realizar atividades cotidianas, hipervigilância para ameaças, e angústia sobre desastres futuros ou sobre o futuro da existência humana e do mundo. A ansiedade climática não é reconhecida como um diagnóstico oficial, mas em algumas pessoas ela pode evoluir para quadros clínicos como depressão, transtornos de ansiedade, Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) e abuso de substâncias.
É importante ressaltar que preocupação não é o mesmo que ansiedade. Muitas pessoas se preocupam com as alterações climáticas e seu impacto no bem-estar dos humanos e outros seres vivos, e isso pode ser um motivador para fazer algo a respeito - na verdade, precisamos justamente de mais pessoas preocupadas com a questão ambiental. Ela se torna um problema quando é debilitante e impede o indivíduo de viver de forma funcional, prejudicando o sono, as relações sociais e o desempenho nos estudos e trabalho.
Quem a ansiedade climática atinge?
Qualquer pessoa pode experienciar ansiedade climática, mesmo aquelas que não sofreram seus efeitos diretos. No entanto, as pesquisas indicam que os grupos mais propensos à ansiedade são crianças, jovens, pessoas que atuam ou trabalham diretamente com questões ambientais (ativistas e cientistas, por exemplo), e indivíduos que sofreram diretamente as consequências da mudança climática (como aqueles afetados pelas enchentes no RS).
Neste caso, quanto maiores as perdas, maior a probabilidade de desenvolver ansiedade climática e outros quadros clínicos como o TEPT. A intensidade e o prejuízo dos sintomas também parecem depender de aspectos sociais e físicos disponíveis às pessoas, como rede de apoio, infraestrutura, e sistemas de saúde e educação. Ou seja, as pessoas em situação vulnerável tendem a sofrer maior carga de estresse e ameaça à saúde mental.
Como lidar com a ansiedade climática?
Há diferentes estratégias que podem ajudar a manejar a ansiedade relacionada ao clima, tanto a nível individual quanto coletivo. Antes de listá-las, no entanto, lembro que a preocupação saudável é necessária para ações efetivas em resposta às mudanças climáticas. O objetivo da psicologia não é livrar os indivíduos e comunidades da ansiedade, mas ajudá-los a construir espaços seguros que permitam a expressão, o manejo e a mobilização das suas emoções.
Reconheça e valide suas emoções
As questões climáticas podem gerar não apenas ansiedade, mas também outros sentimentos como raiva, tristeza, culpa e desesperança. O primeiro passo para manejar e reduzir a intensidade dessas emoções é identificá-las e validá-las. Em outras palavras, nomear e encontrar verdade no que você está sentindo. Uma forma de fazer isso é observar e descrever as suas emoções sem julgá-las. Isso ajuda a criar uma distância psicológica dos sentimentos e a compreender que você experiencia a emoção - mas não é sua emoção -, além de lhe dar liberdade para agir sabiamente ao invés de reagir impulsivamente.
Monitore seus pensamentos
Na ansiedade os pensamentos se voltam para a imaginação das consequências negativas de uma situação e as maneiras de impedi-las. Seu corpo reage como se esse cenário estivesse realmente prestes a acontecer e produz respostas de ameaça como tensão muscular e batimentos cardíacos acelerados. No entanto, imaginar os piores desfechos possíveis prejudica sua capacidade de avaliar os riscos e agir de maneira efetiva. Fingir que essas preocupações não existem ou tentar “parar de pensar” também não são estratégias úteis. No lugar disso, experimente questionar seus pensamentos ansiosos. Examine a lógica dos seus pensamentos e pergunte-se: quais evidências tenho contra e a favor dessa preocupação? Esse pensamento vai mesmo me ajudar? O que eu posso fazer a respeito disso no momento? O objetivo aqui não é negar as mudanças climáticas e seus efeitos devastadores, mas reformular seus pensamentos para torná-los administráveis e úteis na orientação do seu comportamento. E lembre-se sempre: pensamentos não são fatos.
Pratique técnicas de regulação emocional
Além de monitorar os seus pensamentos outras técnicas fáceis e rápidas podem ajudar a manejar suas emoções, como relaxamento muscular progressivo e respiração diafragmática. A atenção plena (mindfulness) também é uma prática simples e comprovadamente eficaz, que envolve focar a mente no momento presente sem julgamentos. Essa habilidade é especialmente útil para o manejo de pensamentos negativos sobre o futuro gerados pela ansiedade. Você pode praticar mindfulness prestando atenção à sua respiração ou a algum som durante alguns minutos todos os dias, ou ainda escolhendo uma tarefa rotineira (uma refeição, por exemplo) para ser feita de forma consciente diariamente. Sua mente irá se dispersar, mas o exercício é justamente este: trazê-la de volta ao momento presente, sem julgamentos, cada vez que se der conta que se distraiu. A recomendação é que essas técnicas sejam exercitadas em momentos de tranquilidade, pois assim você estará habituado às práticas quando precisar manejar emoções mais intensas.
Busque fontes equilibradas de notícias
Não apenas no momento atual, mas especialmente no cenário de calamidade no qual estamos vivendo no RS, não faltam relatos sobre desastres relacionados às mudanças climáticas. A exposição excessiva a essas notícias pode aumentar a ansiedade e a desesperança, e até mesmo paralisar diante de tantas narrativas de destruição. Fontes de informação mais equilibradas não irão negar a existência das mudanças climáticas e suas consequências, mas junto a isso discutirão possíveis soluções para os problemas. Se isso não lhe ajudar, você pode tentar limitar o tempo de acesso ou evitar totalmente as notícias até que sua ansiedade esteja menos intensa e mais gerenciável.
Aja
Um dos melhores antídotos contra a ansiedade é agir. No caso da ansiedade climática, o envolvimento em ações coletivas tende a reduzir esse sentimento de forma mais prolongada e a promover vínculos com pessoas que pensam de maneira parecida. Para isso, você pode buscar grupos que abordem questões relacionadas ao clima e que são importantes para você. Alguns exemplos são: fornecer palestras educativas sobre questões relacionadas ao clima, defender planos governamentais de ação climática, ou ainda contribuir com pessoas e animais atingidos pelas enchentes no RS.
Não somos individualmente responsáveis pelos efeitos das mudanças climáticas e modificações em nível estrutural e sistêmico são necessárias para reduzir esse impacto. Porém, mesmo não sendo parte direta do problema, podemos ser parte da solução.
Referências:
American Psychological Association (APA). (2017). Mental Health and our Changing Climate: Impacts, Implications and Guidance.
https://www.apa.org/news/press/releases/2017/03/mental-healthclimate.pdf.
Clayton, S. (2020) Climate anxiety: Psychological responses to climate change. Journal of Anxiety Disorders, 74. doi:10.1016/j.janxdis.2020.102263.
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Leahy, R. (2011). Livre de ansiedade. Porto Alegre, RS: Artmed.
Yale Sustainability. (2023). Yale Experts Explain Climate Anxiety. https://sustainability.yale.edu/explainers/yale-experts-explain-climate-anxiety
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